Friday, September 22, 2006

Disse o Sobreiro para a Esteva


Ás vezes dá-me para lamentar… o facto de ser assim grosseiro, pouco talhado para me mover tão perto de algo tão frágil e sensível como tu. Chegando por vezes a temer que com um pequeno gesto te magoe, faço a minha desajeitada dança em teu redor, com toda a pouca destreza que o meu corpo maciço permite, toda a atenção focada em ti , nos teus limites e nessas formas que me trazem a esta contradição…

Não sei o que será melhor para ambos? Por um lado quero ficar longe de ti e desse ponto contemplar todos os teus gestos, os de alegria, os de tristeza, os mais subtis espasmos… por outro lado sou afrontado pela necessidade de tocar tua pele e o teu cheiro…

E como tens feito por ignorar esta minha inquietude, ainda não percebi um sinal teu que me ajudasse a decidir; se subo para a montanha, aquele lugar a distância segura para ambos, que me tornará cada vez mais contorcido e fechado, moldado pela agreste exposição aos elementos, ou se fico a viver aqui contigo no vale, onde as minhas raízes te poderão envolver protegendo-te, ficando mais fortes com a riqueza da terra…

Mais tarde ou mais cedo acabarás por decidir por mim…

Esta é a minha natureza e sou hoje como sempre fui, porque infelizmente nem as mil vezes que amei me amaciaram a áspera casca. Sou macio no centro, onde não podes tocar, sou lento porque tenho por amigo o tempo, não sou muito inteligente porque nunca precisei de o ser, sou de maneiras rudes e lido com todos de forma simples e pouco polida, com os dedos grossos e toscos, não fui feito para tocar piano…


Thursday, September 14, 2006

Esfinge




Eu amo-te a ti e ao teu inimigo,
amo a guerra que fazem
e a paz nos interstícios…

Quem sou eu?

Sunday, September 10, 2006

Harpia




Por ti mato os filhos dos Homens…

tu que me fazes viver as fúrias,
que me dás as ganas e os fernezins da batalha,
que me curas as feridas, só, para poder voltar à carga,
uma vez, e outra e outra vez mais…
e me amas no regresso, com fria simetria
e eu como um fiel cão, agradeço o perdão,
não percebendo nem o fim nem os meios dos teus desígnios para mim…

Semeias a guerra no meu peito e ela amarinha pelos meus braços,
sou como uma ferramenta, uma extensão de ti própria,
como a que usas para carpir as peles que te levo,
para cortar a carne que te dou para alimentar tua prol…

Serves-te de teu servo sabendo que, só, para isso ele serve,
e de consciência pura me entregas missão após missão,
fazendo-me acreditar que é respeito o que na verdade é só confiança.

Disseram-me que haviam muitas de vós, que antigamente eram mais que muitas,
Como pode isso ser se ainda existem Homens? Ou seriam os homens desse tempo de uma outra fibra mais resistente que a minha?... não sei! Sei que acho difícil os Homens sobreviverem a uma Harpia que seja…

Wednesday, September 06, 2006

Porque assim são as fadas…


De alma claramente rosada
por um pingo de vermelho
ou gota que verti da chaga
que na emaranhada Barda
abriste com sorriso fedelho
célere e magica adaga

olhar negro como a noite
que avança inconsequente
aos males de seus encantos
destroçando o homem afoite
pobre o diabo que faz frente
abafado em teus ébrios mantos

tuas raízes adoçam-me a terra
e alimentam-me o fruto
que me ensinas a admirar
mas se me deixas só na serra
volto a ser um colector bruto
porque não me ensinaste a semear

fazes-me calcorrear guloso
pelo pomar da vida
mostras-me o caminho para a criança
cuja inocência nunca ferida
se encanta com teus gestos, tua dança
e esse soriso, esse soriso… faz a criança ser Homem de vez!

São fadas como tu que fazem o Homem ser Carvalho, cedro e choupo…

... que tornam o Homem, a matéria mais rude e agreste de todas, fértil como o escuro solo de Sintra, és tu que espalhas no Homem as sementes dos sonhos, és tu que os regas e os iluminas, és tu que os colhes… porque são para ti os sonhos dos Homens!