Disse o Sobreiro para a Esteva
Ás vezes dá-me para lamentar… o facto de ser assim grosseiro, pouco talhado para me mover tão perto de algo tão frágil e sensível como tu. Chegando por vezes a temer que com um pequeno gesto te magoe, faço a minha desajeitada dança em teu redor, com toda a pouca destreza que o meu corpo maciço permite, toda a atenção focada em ti , nos teus limites e nessas formas que me trazem a esta contradição…
Não sei o que será melhor para ambos? Por um lado quero ficar longe de ti e desse ponto contemplar todos os teus gestos, os de alegria, os de tristeza, os mais subtis espasmos… por outro lado sou afrontado pela necessidade de tocar tua pele e o teu cheiro…
E como tens feito por ignorar esta minha inquietude, ainda não percebi um sinal teu que me ajudasse a decidir; se subo para a montanha, aquele lugar a distância segura para ambos, que me tornará cada vez mais contorcido e fechado, moldado pela agreste exposição aos elementos, ou se fico a viver aqui contigo no vale, onde as minhas raízes te poderão envolver protegendo-te, ficando mais fortes com a riqueza da terra…
Mais tarde ou mais cedo acabarás por decidir por mim…
Esta é a minha natureza e sou hoje como sempre fui, porque infelizmente nem as mil vezes que amei me amaciaram a áspera casca. Sou macio no centro, onde não podes tocar, sou lento porque tenho por amigo o tempo, não sou muito inteligente porque nunca precisei de o ser, sou de maneiras rudes e lido com todos de forma simples e pouco polida, com os dedos grossos e toscos, não fui feito para tocar piano…