Sunday, April 23, 2006

...Fauno, Flora e uma história triste


No inicio és só sensual,
Jóia a ser guardada.
Cresces e ficas maternal,
Tornas-te a cidade do futuro,
Na muralha, abrigado na barda,
Vivo, alimentado por amor puro
e quando me dás um filho
Tiras-me a vontade de rebeldia,
perco o fel e esqueço o trilho
Sou teu de noite e de dia…

Envelheces e ganhas poder
és auto proclamada rainha
De um reino, sem o merecer…
Porque uma velha não precisa
Nem de homem nem de guarida;
segura pelo temor espalhado na brisa,
a quem mal te quiser abres ferida,
que mata qual mau-olhado,
tal é o poder de uma velha,
que vive sozinha o seu fado.

duas páginas do mesmo livro;
eu sou simples e carnal,
tu és complexa e sensível,
a violência na minha tribo
não é par ao teu apurado mal,
que me vicia e deixa vulnerável.
Sentes e comunicas com mistério,
usas encantos e feitiços,
ludibriado não consigo ficar sério
perante os golpes pouco precisos.

Sou amante enquanto aceite
Depois sou expulso do teu burgo
És tirana mas queres-me afoite
És a cabala da qual não me purgo

Saturday, April 22, 2006

Pandora


Entalada entre a doença e a fome, vigiada de perto pela pálida morte, tentando manter longe do seu tesouro a guerra atiçada com laivos de gula… pintei esta tela em jeito de homenagem e prova de admiração pela hercúlea tarefa que cada mulher leva a cabo, enquanto lhe arde o pavio da vida. Fala-se de esperança, e essa não se manifesta na ausência de sacrifício… seres sedutores, maternos, mas é quando o pavio se lhes torna curto que demonstram a sua verdadeira magia… conto o resto mais tarde…

Thursday, April 20, 2006

Da morte...

A morte é a mais bela forma que a Natureza encontrou para sobreviver a si mesma

Saturday, April 15, 2006

Grifo

Criatura híbrida e violenta,
juntas céu e terra com um esgar
voltas-te para mim e agradeces!?
Essa gratidão contra mim atenta;
agradece ao carvão que te pariu,
que usei nos dedos até queimar…
Eu vi-te nascer a frio,
segui-te como se fosses cabresto,
num momento sem maldade.
O mundo acusou-me de encesto,
porque tu e eu temos a mesma idade!

Thursday, April 13, 2006

Do diabo



A mais perfeita personagem alguma vez criada, com conta e medida de drama, revolta e alegria… mas muito mais está presente no enredo do diabo.

No início o diabo conseguiu manter entre os homens o respeito pela natureza e pelo sagrado feminino, mas por isso foi molestado, porque os homens só respeitam as suas insaciáveis fomes de guerra e poder.

O diabo caminha sobre cascos porque tiveram de o desfigurar para o odiarem, mas ele não se rala, sorri como antes… e há ainda quem o ame.

O diabo tem cornos porque continua a ser o mais forte de todos os deuses…

Quem olha de lado o diabo esqueceu que dele nasceu… o diabo é o pai de todos nós, de nossos vícios, de nossas qualidades… O diabo tem como bastardos o rural e o urbano…


O diabo representa o que tende a libertar-se dos grilhões da monotonia e do desmedido conservadorismo, o diabo é tudo o que é natural e selvagem, não tocado pela vontade reguladora do Homem.

O diabo perguntará sempre porquê? E não se calará se notar desvios na resposta.

O diabo não pede licença! O diabo manda á merda a licença.


O diabo é a esquerda, é os Verdes, é o Bloco, é o Comunismo e ainda tem penugem socialista.

O diabo foi o mestre do primeiro Socialista, até que a Historia armada em ciência o legou para braço direito, traiçoeiro, do primeiro anarquista, e mais tarde terá mesmo alistado a criatura na Pide, onde passou a gozar da fama de apontador… como ninguém gosta de ser apontado, especialmente pela verdade, esta fama levou-o aonde ele mora hoje, longe dos homens que o traíram, quais filhos ingratos.

O diabo defendia o mundo das florestas, dos desertos, das grutas, dos rios e mares, e quando o homem se quis apoderar desses tesouros, não esperou que o pai morresse, deu-o como morto e virou-lhe as costas, dizendo que não prestava… que era o mal… porque o diabo a todos aponta, quando há o que apontar…
O diabo foi morar para a montanha, para o fundo do mar, ou para a mais funda caverna, porque não quer ouvir o estridente ruído que as unhas da sua avara prole fazem ao escavar cada vez mais fundo a terra…as pobres crias do diabo não sabem o que procuram, e deixam-se enganar pelo brilho ardiloso do que nada vale, ignorando que na verdade tentam voltar às origens, onde todas elas eram puras e inocentes, antes do diabo lhes ensinar os segredos do fogo…

Hoje o diabo mora sozinho, ri e chora, como todos nós, mas atenção que o diabo não é mau…

Thursday, April 06, 2006

Fada do Castelo de São Jorge

Quem consegue encontra-la,
a fada que aqui se esconde?
quem consegue perceber
o segredo oculto nesta fabula,
e onde o enterrou ela, onde,
o coração que já não oiço bater?

Do seu forte ela não há-de sair,
se sair perde o que lhe foi dado.
e eu atento, quase que omisso,
discreto e sem luzir,
como um lampião apagado,
contemplo o feitiço...

Batalha entre dois castelos,
o primeiro de pedra
e o segundo de vida
um ferido, mas ambos belos,
um definha e outro medra
na teia da magia proibida.

Enorme e forte ela estende-se
escapando-se entre a alvenaria,
sorve-me como se húmus fosse
e deixa-me no ardil de Anteu
ignorando onde acaba ela
e onde começo eu…

Sunday, April 02, 2006

Sobre os castelos, os vivos e os mortos

Quando se vive num castelo de cartas, vives da solidariedade de todas as peças, e umas há mais essenciais que outras, mas e quando vem o tufão que requer a cumplicidade entre todas?

Não vivas iludido e escondido atrás dessas paredes, porque as de pedra, tal como as de papel também desmoronam. Constrói o teu castelo, aprende e conhece todas as peças, mas a pedra chave tens de ser tu, e não confies essa posição a nenhuma outra… se todas as peças dependerem de ti, e tu de nenhuma delas, então terás o equilíbrio para defender a tua posição.

Quando entrares em rotura o teu castelo cairá contigo, e terás a tua história escrita na terra, com os alicerces, que foram as primeiras peças e que contarão a quem quiser ouvir, na língua das pedras, quão altos eram os arcos e cúpulas que outrora seguraste.

… a lição é que os vivos que constroem castelos que lhes sobrevivam passam a vida dentro dos seus túmulos; e os mortos não precisam de castelos, vivem nas ruínas.